[RESENHA] CHRISTINE de, STEPHEN KING

Ano de lançamento: 1983
Páginas: 765
Editora: Ponto de Leitura
Nota: 5/5*

Arnie Cunningan era um espécime de dar dó. Não era um adolescente exatamente feio, mas suas espinhas em demasia davam um ar de repulsa há quem o observava. Zoado na escola; tímido; acostumado a baixar à cabeça quando provocado; filho de uma mãe, Regina, controladora e de um pai, Michael, apático e sempre recebendo ordens da esposa. Apesar de ser inteligente, nem os nerds da escola o acolheram em seu grupo. Sempre fora um perdedor. Teria sido um rapaz totalmente solitário se não fosse pela amizade de Dennis.

Dennis Guilder era o oposto de Arnie. Bonito, inteligente, fazia parte do time de futebol da escola, sucesso entre as mulheres (não à toa namorava uma das líderes de torcida), era o cara legal que todos querem por perto. Sua família era o modelo da perfeita família americana. Sua mãe, adoradora de artes e professora. Seu pai, um contador, era compreensivo, legal, um pai exemplar. Ainda tinha Ellie, a irmã mais nova de Dennis, entrando na adolescência (mas sem a revolta que por vezes a idade trás).


Mesmo com essas diferenças, Arnie e Dennis eram melhores amigos – no caso de Arnie, Dennis era seu único amigo. Por várias vezes Dennis livrara Arnie dos infortúnios que este entrava. Arnie via em Dennis algo além da amizade, via uma espécie de proteção do mundo lá fora. A amizade ia muito bem. Até aparecer Christine.

Christine, um Playmouth Fury 58, que de seus tempo áureos tinha só a lembrança, era uma sucata; com a lataria toda amassada; pintura tomada pela ferrugem; estofados só na armação; o motor era apenas um conjunto de partes metálicas sem função. Mas quando Arnie viu Christine, quis o carro na hora. Sentiu que “ela” teria que ser sua. Talvez Arnie, viu no carro um retrato de sua vida: fracasso. Por mais que Dennis tentasse abrir os olhos do amigo, nada o faria desistir de ter Christine.  Era como se Christine estivesse esperando por alguém como Arnie. E esse alguém chegou. Arnie compra o carro. Mas neste caso,  não foi só dinheiro que ele teve de pagar pelo carro. Parte de sua alma constou no pagamento. E neste caso, o vendedor, Roland Le Bay, fez também o papel de Caronte. E foi aí que a vida desses dois – e também de seus familiares – mudou.

A partir deste dia, não existe mais Dennis e Arnie. Existe Arnie e Christine. Enquanto trabalha na recuperação de Christine, o próprio Arnie passa também por uma reformulação. Suas espinhas desaparecem, muda o corte de cabelo, passa a não baixar mais a cabeça quando importunado. Até em casa, onde fora sempre submisso aos desejos de sua mãe, as coisas estão diferentes. Não é mais aquele garoto que aceita tudo. A única coisa que importa agora é Christine.
Vemos a junção de homem e máquina, um completando o outro. Ou seria um se alimentando do outro? O novo Arnie passa a se expressar como o falecido Roland Le Bay (falecido de forma súbita logo após a venda de Christine) numa espécie de possessão simbiótica entre homem e máquina.

Dennis nota as mudanças no amigo (ex – amigo?) e isto o preocupa. O surgimento da aluna nova, Leigh, a bela loira, que logo se apaixona pelo “novo” Arnie, não serve pra tranquilizar o amigo. Isso, na verdade piora as coisas. Dennis logo se vê apaixonado pela namorada do amigo. Leigh, assim como Dennis não gosta de Christine, mas o carro não se importa. Quer Arnie só pra ela e tem seus planos pra afastar todas as pessoas que prejudicaram ou que gostam de Arnie.
Não são apenas os núcleos familiares que são explorados na história. Temos os adolescentes que usam e abusam das drogas. Will Darren, um traficante dono da oficina onde Arnie guarda e conserta Christine. O detetive que investiga Will. Todos eles terão seus caminhos cruzados pela fúria de Christine. 

Christine é um carro (carro?) peculiar. Normalmente só sintoniza uma estação do rádio (mesmo girando o dial em outras faixas); “demonstra” quando não gosta de alguém; tem um apetite voraz por causar dor e morte. É está faminta.

Pra quem está acostumado com os livros de King, sabe que não é só de terror que se tratam suas narrativas. Trata-se também da relação entre pessoas. Nesta em especial vemos como o relacionamento familiar pode influir na vida dos filhos. Vemos a dualidade entre a família Guilder e a Familia Cunningam. Os primeiros amorosos e compreensivos. Os segundos, reféns da excentricidade de Regina. Suas narrativas são muito bem construídas. O terror não vem de forma súbita. Vem surgindo aos poucos dentro da narrativa, crescendo junto com os personagens. Os sustos são diferentes. Não há aquele medo repentino, mas sim algo visceral. Mesmo após o fim 
da narrativa você ainda fica sentindo uma espécie de desconforto assustador.

Há exemplo de Carrie (do livro CARRIE, A ESTRANHA), eu não consegui sentir raiva de Arnie. Senti uma espécie de pena, pois ambos foram reféns das situações. No caso de Arnie, primeiro da mãe controladora; depois da sociedade que não aceita tipos 
como ele; e por fim o espírito maligno de Le Bay.

Li o livro de 764 páginas em menos de uma semana. Sentia aquele antagonismo de querer terminar a história, porém não querendo que acabasse. Este livro de King, na minha mutável opinião, figura entre um dos melhores do autor – juntamente com A Dança da Morte, O Iluminado, o Cemitério e a Coisa.

O final do livro foi algo que não sei nem como descrever. No epílogo vemos o que aconteceu com os personagens. Por um lado fiquei puto por conta de alguns acontecimentos – principalmente no que tange ao relacionamento de Dennis e Leigh. Na outra ponta, achei genial o fato de que o terror causado por Christine pode não ter acabado.

NOTA: 5/5.


EmoticonEmoticon