[RESENHA] A Guerra do Paraguai | Ou, as mutações da história...

Apesar de importante, o maior conflito armado da America do Sul é pouco conhecido o que permite muitas interpretações para o mesmo fato...


Nota: ★★

O que mais me impressionou logo nas primeiras páginas deste livro foi notar que pouca coisa sabia a respeita desta guerra, que durou de 1864 a 1870. A começar pelo nome: se aqui no Brasil batizamos de Guerra do Paraguai, por lá eles chamam de Guerra da Tríplice Aliança. E a desinformação não fica restrito ao nome do conflito. Com intenções políticas, figuras históricas foram alçadas ao patamar de heróis enquanto outros foram rebaixados ao status de demônios.  E ainda temos a questão que sempre emerge quando ocorre um conflito: de quem foi a culpa? Luiz Octavio de Lima, através de extensa pesquisa, mostra que as coisas não são assim tão claras e precisa-se de um pouco de parcimônia para entender com clareza este conflito que devastou o Paraguai e fortaleceu as forças armadas brasileiras que, dentre outros fatores, culminariam com a Proclamação da República anos depois.

Muito provavelmente você já deve ter escutado que o Paraguai em meados do século XIX era uma potência tecnológica e financeira, totalmente autossuficiente e que rivalizava, comercialmente, com a toda poderosa Inglaterra. Os ingleses, feridos em seu orgulho, não poderiam admitir isto e instigaram Brasil, Argentina e Uruguai a começarem uma guerra contra o Paraguai para findar com esta crescente potência. Ao que tudo indica, isso está muito longe da verdade. Pelo menos é o que assegura o autor.

Segundo ele, todos os países envolvidos no conflito eram majoritariamente agrícolas. Nenhum deles tinha um comercio de produtos manufaturados dignos de nota lhes restando apenas o comercio de produtos primários. Inclusive o Paraguai. Então, o que motivou a guerra, já que Isabel II, Rainha da Inglaterra na época, não teve culpa no cartório? Para Luiz Octavio de Lima, os motivos são, basicamente, um reflexo da consolidação dos estados nacionais independentes e questões geopolíticas da região – fruto direto do conflito que trouxe a independência do Uruguai...

Explicando: na ânsia de viabilizar outra saída marítima para escoar sua produção, para não ter de depender dos humores de Buenos Aires, Francisco Solano Lopes, general e presidente paraguaio também chamado de El Mariscal, firma uma aliança com o Uruguai num pacto de defesa mútua. Quando o Brasil, por conta de querelas entre uruguaios e fazendeiros gaúchos, decide intervir no Uruguai, Solano Lopes cumpre o acordo de defesa mútua e, não seguindo os conselhos de seu pai que antes de morrer pediu para que o filho jurasse não entrar em guerra com o império, ataca o Brasil. Aí, temos o início de nossa guerra. Logo em seguida o presidente uruguaio é deposto subindo ao trono um mais favorável a causa brasileira e se junta a Don Pedro II, imperador brasileiro, no conflito contra o Paraguai. Com a adição de Bartolomeu Mitre, a Argentina entra no conflito e o cenário daquilo que seria a mais sangrenta e duradoura guerra da América do Sul está montado.

No livro, ficamos sabendo que o Paraguai possuía um grande exército e ainda contava com a bravura de seus soldados. Isso, porém, não foi suficiente para derrotar a tríplice aliança. E ao final da Guerra, temos um Paraguai devastado – nisso, é difícil precisar quantos paraguaios morreram, alguns estimam em 90% da população masculina e outros em 25% - e com percas territoriais significativas. Claro que olhando esses números fica fácil julgar culpados os comandantes da Tríplice Aliança por essa carnificina, porém, não podemos esquecer o estrago causado pelo próprio Mariscal ao seu povo.

Solano Lopes, já sabendo que não teria mais condições de vencer o conflito, poderia hastear a bandeira branca e poupar seu povo de muito sofrimento. Apesar de hoje ser adorado, Solano Lopes era um tirano: perseguiu muitos adversários políticos, mandou açoitar a própria mãe e matar um irmão. Enquanto o povo passava fome, ele desfrutava de uma vida opulenta, tanto que Elisa Lynch, sua esposa, era tida como uma das pessoas mais ricas da região.

É óbvio que vilões não se encontram apenas no lado Paraguaio. Como toda guerra, as máscaras da maldade ficam sempre dos dois lados e nós também temos nossos demônios e o principal deles, provavelmente, é o genro de Don Pedro, Cond’Eu. Aqui, não vou me delongar muito porque estou escrevendo algo sobre isto mas não posso deixar de mencionar dois fatos calamitosos perpetrados pelo conde: um incêndio num hospital de feridos que matou vários paraguaios sem condições de combater e, talvez o mais triste, O Massacre de Acosta Ñu.

A batalha de Acosta Ñu, que ocorreu no dia 16 de agosto e que marca o dia das crianças no Paraguai, foi uma passagem realmente triste da nossa história. Basicamente, Solano Lopes, com seu exército já devastado, recrutou crianças (CRIANÇAS) para lutar contra o exército brasileiro e este, comandado pelo Cond’Eu não se fez de rogado em mata-las. Ou melhor, MASSACRÁ-LAS. Muitas delas – a maioria – nem armas tinham, mas isso não arrefeceu os ânimos do conde e o que se viu foi uma carnificina/covardia sem tamanho. Pouco depois deste conflito Solano Lopes fora morto e a guerra acabou - aí você pensa: o que leva um comandante a colocar crianças pra lutarem e adversários lutarem com elas? Como já disse uma vez:

"será que encontraremos absolvição para o mundo, para nossa a nossa felicidade e até para a harmonia eterna se, em nome disso, para solidificar essa base, for derrubada uma lagrimazinha de uma criança inocente? Essa lagrimazinha não legitima nenhum progresso, nenhuma revolução. Nenhuma guerra. Ela sempre pesa mais. Uma só lagrimazinha..."  

Logo após a guerra, a figura de Solano fora demonizada no Paraguai como alguém que levou o país ao colapso.  O que não é totalmente verdade. Em meados do séc. passado, muitos revisionistas, com propósitos políticos claros, metamorfosearam a figura del Mariscal como alguém quase santo que lutou contra a tirania de países que tinham como interesse servir aos desejos da Inglaterra. O que, excetuando, segundo o autor a parte da Inglaterra, não é totalmente mentira. É dessa época que vem a ideia de um Paraguai quase paradisíaco.

Longe de ser um livro definitivo sobre o tema, A Guerra do Paraguai, de Luiz Octavio de Lima, consegue lançar luz sobre algo pouco conhecido da história do Brasil e tenta espantar ideias propagandísticas sem nenhum viés histórico e documental.

Claro, não me assustaria que daqui algum tempo, algum outro politico use isso,  guerra, com algum viés pessoal. Por isso que livros assim são importantes.

Obs.: a despeito de qualquer coisa e do quanto eu tenha gostado do livro, uma só narrativa, por mais bem feita que seja e com a melhor das intenções, não pode ser a base para nosso pensamento a respeito das coisas. Sendo assim, outros livros e artigos são necessários para formar uma ideia, ao menos aproximada de fatos que ocorreram e ocorrem a nossa volta...


Boa leitura.


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A Guerra do Paraguai (2016)
Páginas: 448
Autor:  Luiz Octavio de Lima
Editora: Planeta
Comprar: AMAZON

[RESENHA] It - A Coisa | Muito além de um palhaço assassino...


Stephen King é um autor que, durante muito tempo, aos meus olhos, estava mais preocupado em contar uma boa história do que com sua conclusão em si. E apesar de seus livros atuais terem melhorado neste quesito, ainda continuo com a mesma impressão. E, levando em conta seus livros da década de 1970 e 1980, isso é quase uma regra. Principalmente com aqueles verdadeiros calhamaços como a "Dança da Morte" e o livro que estaremos debatendo hoje: It, A Coisa....

Antes de mais nada, tenha em mente que Steve criou um universo intrincado de obras onde muitas de suas histórias, de uma forma ou de outra, se conectam criando uma realidade compartilhada – mais sobre isso AQUI – e, dentro deste conceito abordado pelo autor, alguns pontos deste universo são realmente vórtices de energias ruins. E, um desses pontos É Derry...

Derry é uma cidade peculiar. Contra as probabilidades dos especialistas a cidade conseguiu se desenvolver relativamente bem. Para alguns moradores é um local bom para se viver, para outros tantos, é uma cidade amaldiçoada. Ao final das mais de mil páginas do livro It você se inclinará a concordar com o segundo grupo...

Durante a narrativa, vemos como uma porção de catástrofes e desastres assolaram a cidade: um incêndio matando vários em um clube; a chacina a uns foragidos da lei com participação de grande parte da cidade; o homem que matou vários com um machado enquanto outros assistiam sem se importar e mais outras tantas tragédias que parecem indicar que Derry é um local amaldiçoado. E esta maldição tem um nome: Pennywise...

Pennywise, apesar de ter uma manifestação física, está em toda Derry. Em todo sentimento negativo que nasce pela face escura de cada indivíduo e que é potencializada, ou iniciada, pela influência maligna de Pennywise...

Pennywise, o palhaço dançarino assassino, é uma criatura que nem sempre se apresenta nesta forma – apesar de esta ser a mais corriqueira. Tudo depende do seu medo. Alimentando-se do medo das pessoas, Pennywise esteve presente em todas essas tragédias e tem um interesse especial por crianças e somos apresentados a ele quando este decide matar Gerogie Denbrough – naquela cena icônica do barquinho e o palhaço no bueiro...

Quando li "A Zona Morta", minha primeira experiência com King, percebi que mais do que amedrontar as pessoas, os livros dele conseguem evocar um turbilhão de sentimentos dentro de nós. Você se vê, ao menos parcialmente, em alguma situação semelhante à dos personagens retratados. Mesclado a isto, adicione a escrita detalhista do autor para tornar cada livro uma verdadeira viagem sobre sentimentos e relações humanas. King consegue influir neles uma realidade incrível que parece serem seres de verdade que a qualquer momento irão sentar ao nosso lado da poltrona e interagir conosco...


E é isto, a relação entre nossos personagens unidos pelo mesmo destino (Ka-tet), que é destruir o palhaço assassino, que tornam It um dos melhores livros (se não o melhor) de Stephen King...

O terror volta a assombrar a cidade de Derry no verão de 1985. Um jovem é morto e tem seu braço arrancado. Apesar disso não constar nos relatórios oficiais da polícia, um palhaço fora visto na cena do crime. Este evento traz à tona um juramento feito ha 30 anos por sete crianças que mediante um pacto de sangue prometeram retornar a Derry caso o horror daqueles tempos ressurgisse. O livro é narrado de forma não linear alternado presente e passado e acompanhamos a vida de nossos personagens em duas épocas distintas. E, apesar da vida adulta deles ser interessante, é na relação entre eles enquanto crianças os melhores momentos do livro...

Apesar de termos umas pinceladas de terror nas páginas iniciais do livro, Stephen King, como de praxe, prefere desenvolver os personagens de forma amiúde para que nos familiarizemos com eles e nos importemos. É desta forma que acompanhamos as crianças Michael Hanlon (o único que quando adulto ficou em Derry sendo o primeiro a sentir sua presença), Richard Tozier (o piadista), Eddie Kaspbrak (hipocondríaco), Bill Denbrough (o líder não declarado do grupo), Stanley Uris (o escoteiro), Beverly Marsh (a garota do grupo e minha personagem preferida) e Ben Hasncon (o gordinho e construtor da tropa) formarem o Loser's Club, E depois, separados em suas vidas adultas – que a exceção de Beverlly, não é tão interessante assim...

O Loser’s Club, é um grupo de desajustados que encontram força e camaradagem para superar toda a sorte de mazelas que os espera. E põe mazelas nisto: bulliyng, violência doméstica, problemas psicológicos, morte, ausência, preconceito, racismo, são todos componentes que tornam a vida de nossas crianças triste (em alguns casos um inferno!!!), mas apoiados e amparados um no outro conseguem mostrar a beleza que a vida pode ter ainda que esteja envolta em catástrofes. E esta interação entre eles evoca um sentimento de nostalgia que chega a doer. É impossível ler estas páginas e não sentir uma saudade imensa dos tempos de crianças e lembrar das brincadeiras, medos e aventuras daquela época...

E Penywise sabe que os  Losser’s tem poder. Isto fica claro desde o dia em que Ben encontra Bill e Eddie na represa ao fugir do maníaco Henry - um adolescente perturbado que exemplifica muito o espirito da cidade. É como se eles, Bill e Eddie estivessem esperando Ben chegar para começar a compor Ka-tet. Outro ponto latente disso é quando Eddie está no hospital e uma áurea de energia quase sólida emana deles. E eles sabem que só eles podem deter a Coisa – como eles chamam o palhaço – pois os adultos não conseguem senti-lo. É como se estivessem anestesiados pelo poder da Coisa como quando o pai de Beverlly a persegue e um senhor olha indiferente e entra pra dentro de casa como se nada estivesse acontecendo (e por falar em Beverlly, quando lembro do que essa guria passou quando criança e viu isto se repetir quando adulta, me dá uma tristeza imensa, principalmente por saber que esta é a realidade de muitas mulheres por aí...) 

Apesar de imenso, o livro consegue te prender e o final vertiginoso é devorado como a voracidade de um homem que encontra um oásis no deserto. Ainda temos de quebra uma passagem por entidades cósmicas do Kingverso representadas de forma mais clara em sua saga A Torre Negra. E, aqui cabe uma comentário breve: apesar do final célere, ele é meio maluco parecendo uma viagem de LSD que traz à tona o que eu disse lá no inicio desses apontamento: King não se preocupa muito com finais...

Ler It é como andar em uma montanha russa de emoções. Medo, alegria, felicidade, surpresa, nojo, raiva..., uma miríade de sensações que bagunçam nossa mente. São várias as situações que nos fazem lembrar de nós quando crianças e que são escritas de tal forma que é impossível não desejar um retorno ao passado pra reviver aqueles dias...

It, A Coisa é um livro que versa muito além de terror. É um tratado sobre como a amizade é importante e de como fatos marcantes na infância moldam nosso caráter futuro... 

Pode apostar seu couro nisso.

Obs.: lá pelo final do livro tem uma cena envolvendo Beverly que nem sei  direito o que pensar. Faz quase um mês que li o livro e ainda não cheguei a uma resolução quanto ao que vi. Entretanto, num primeiro momento achei desnecessário e de uma falta de tato muito grande do autor...


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It, a Coisa ( It, Eua, 1986)
Páginas: 1103
Autor:  Stephen King
Editora: Suma de Letras
Comprar: AMAZON

[RESENHA - HQ] Do Inferno, de Alan Moore e Eddie Campbel


Nota: ★★

Quem já leu algum trabalho de Alan Moore, sabe que o autor, costumeiramente, faz uma crítica forte ao sistema vigente no qual se passa a obra em questão, tratando de fazer um paralelo sútil, porém marcante, com a nossa sociedade. Vemos isso, por exemplo, na Graphic Novel “V” de Vingança (mais sobre a obra AQUI ) – sim, aquele da máscara dos Anonymous. Em Do Inferno, Alan Moore vai um pouco mais além: não bastasse fazer uma leitura do zeitgeist, ele reconstrói uma parte sombria da história de Londres entregando sua versão dos fatos sobre os crimes de Whitechapel deflagrados pelo icônico e lendário Serial Killer, Jack, o Estripador


O cenário da nossa HQ é uma Inglaterra no fim da Era Vitoriana. Este período foi de uma crescente prosperidade para os habitantes da terra da rainha graças as moedas que entravam aos montes na nação devido a expansão do Império Britânico e pela consolidação da Revolução Industrial. Claro, que toda esta prosperidade não era uniforme: muitos trabalhadores das fábricas recebiam quantias ínfimas para viver e, muitos ainda – principalmente  mulheres – não encontravam serviço algum. É nesta Londres suja e poluída pelos resíduos das chaminés que chegamos até o bairro de Whitechapel.



Quando o corpo de Mary Nichols – a primeira vítima Jack, o Estripador  – foi descoberto no dia 6 de agosto de 1988, com cortes profundos na garganta e partes do abdômen removidos, uma onda de medo e especulações acometeu Londres: quem teria feito isto? Porquê? Foi um crime passional? Mas, poucos creiam que outras quatro corpos – Annie Chapman, Elizabeth Stride, Catherine Eddowges e Mary Jane Kelly – também seriam vítimas de tão brutal prática.

Muito se especulou sobre quem e o porquê dos crimes e várias teorias foram levantadas. Alan Moore, através de uma extensa pesquisa e juntando elementos da teoria do jornalista Stephen Knight, acrescenta alguns tons seus e, apesar da teoria do jornalista já ter sido desacreditada, você, acreditando ou não, dificilmente irá negar a genialidade do mago.

Do Inferno é uma história que não tem classificação livre. As cenas de sexo são explícitas e a violência aguda é mostrada sem maiores pudores. Os traços de Eddie Campbel, que seguem a tendência impressionista da época, podem parecer simples mas conseguem atenuar o teor trash da narrativa e ainda servem para salientar a sujeira e abstração da história resultando num trabalho incrível do desenhista que fez toda a história em preto e branco.


Tela "A Pulga" de William Blake
Desde o início sabemos quem é o assassino. Não há ESTE mistério para ser desvendado. Sendo assim, o autor confia no roteiro envolvente num misto de fantasia (temos até passagens de um vislumbre do futuro) e realidade para que o leitor não se entedie com a história. E, como estamos falando de Moore, espere um afresco brilhante. Seguindo a narrativa por alguns pontos de vista versando por diversas áreas do conhecimento como arquitetura, Maçonaria, metafísica, insanidade, história... ,o autor sugere um intricado enredo de mortes em série e terror para esconder um escândalo que abalaria as estruturas da casa real.

Muitos personagens históricos são mencionados ou aparecem na HQ: Aleister Crowley, Oscar Wild, William Blake, são exemplos de personagens reais que aportam por aqui. Meu destaque vai para uma cena envolvendo a concepção de Adolf Hitler e o eco que isso provocou no bairro de Witechapel.


Momento da concepção de Adolf Hitler

Além de uma narrativa fabulosa, o autor faz questão de colocar um apêndice com as bases para cada cena em questão que renderiam um livro à parte. É importante dar uma olhada a cada final de capítulo para situar-se melhor.  

Como disse no primeiro parágrafo, Moore insere em suas histórias uma forte crítica ao poder dominante. As maquinações das esferas de poder que refletem na vida de gente comum são mostradas de forma aguda pelo autor e isso nos remete a pergunta: e nós, o que podemos fazer? Será que seremos algum dia livres disso? Ou teremos de esperar por um Guy Fowks? 


Moore e Campbel fazem um retrato assertivo da Inglaterra  no final do século XIX nesta saga que discorre sobre Jack, o Estripador resultando em uma obra magnífica, soberba e genial. Não deixem de ler.



Boa leitura

Do Inferno (From Hell, 1989-1996)
Páginas: 592
Autor: Alan Moore e Eddie Campbel
Editora: Veneta
Comprar: Do Inferno

O Estuprador, o Ônibus e a Lei...


Diego Ferreira de Novais estava caminhando tranquilo. Talvez tenha comido ovos mexidos nos desjejum, ou um pão com queijo e doce de leite. Ou, ainda, nem tenha comido nada. O fato é que na manhã do dia 29/08 ele estava plácido e tranquilo como uma criança que dorme sob os olhares vigilantes e amorosos dos pais. Pendendo em seu costado mais de uma dúzia de acusações que variam entre o nada constrangedor ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR e o totalmente livre de violência ESTUPRO...

Mas isso não é problema para Diego Ferreira de Novais: mesmo com esta ficha criminal maior que a distância entre a Lua e a Terra, ele anda livre e sorridente pelas ruas de São Paulo. Apesar de, possivelmente, muitas das mulheres as quais foram VÍTIMAS do INOFENSIVO CIDADÃO DE BEM, terem medo até de abrir os olhos, ele não tem do que se preocupar. Já sabe que o roteiro da sua vida criminal foi vazado muito antes do roteiro da sétima temporada de Game of Thrones, e respira de forma meditativa pois sabe que seus atos são punidos com a total impunidade...

Por volta do Treze horas, Diego Ferreira de Novais está com a expectativa lá em cima. Não sabemos se ele escolhe a vítima de forma repentina ou se é algo programado. O fato é que daqui a pouco mais uma mulher deste nosso Brasil entrará para as estatísticas...

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Cíntia Souza está sentada no banco de ônibus. Talvez se ache com sorte. Tendo em vista a superlotação dos coletivos nas grandes capitais, encontrar um lugar pra sentar é quase como ganhar na Mega Sena. Distraída, ela mexe em seu celular, mal repara que próximo à ela há um homem em pé próximo à ela. Apesar de haver outros bancos vazios, o rapaz de camiseta verde permanece de pé. Entre uma visualização e outra no celular, ela sente que alguma coisa viscosa atingiu seu pescoço. Ela olha e vê um homem, nosso INOFENSIVO Diego Ferreira de Novais, ainda com o pênis na mão se masturbando, olhando com total indiferença e satisfação para Cíntia Souza  que após um período de breve suspensão da realidade, se dá conta que o que acaba de molhar seu pescoço é o sêmen de Diego Ferreira de Novais...

Cíntia Souza grita, todos se desesperam.  Cobrador e motorista se dão conta do ocorrido. Param o ônibus, fecham as portas para que o meliante não fuja – se bem que sem  motivo, pois nosso personagem não tem nada a temer...

Diego Ferreira de Novais, após a emoção de mais um crime cometido, está tranquilo. Já sabe  o final do roteiro e, melhor ainda: sabe que seu roteiro não foi escrito por M Night Shyamalan e não há uma reviravolta final. Os autores de seu script são a justiça brasileira que tem sempre um jeito todo especial de mostrar que aqui, meu chapa, as coisas vibram numa frequência estranha...

Preso, Diego foi solto no dia seguinte pelo juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto, acatando recomendação do Ministério Público de São Paulo. O juiz destaca: que não houve constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco de ônibus surpreendida pela ejaculação do indiciado”...

Bom, talvez, entendeu o juiz, que se Cíntia estivesse de pé, aí sim, poderia configurar alguma coisa de maior gravidade. Mas, sentada, não houve nada que pudesse representar ameaça a esta histérica jovem...

O fato é que a justiça no Brasil faz teeeeeeeeeemmmmmmmpo que não age de acordo com os anseios da comunidade antenada com os dias atuais. Há um desprezo pelo que ocorre com nós mortais uma vez que os autores das leis e seus aplicadores parecem, e possivelmente vivem, em uma realidade paralela a nossa. Não me surpreenderia se ora ou outra, alguém ser absolvido de estupro porque o acusado revogou seu direito a prima noche. Vai saber...

Quanto a nós, que assistimos a tudo isso, transborda a indignação, o sentimento de impunidade. E relatos como o de Cíntia: “a minha cabeça está confusa, não tenho tido paz, dormir, comer está tudo ruim. Quando durmo sonho com algo parecido. E parece que estou cansada o tempo todo.”, parece ser o que sobra para as vítimas...

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No livro Missoula: O Estupro e o sistema judicial em uma cidade universitária, de Jon Krakauer, (resenha aqui), vemos como é difícil para uma vítima de estupro conseguir levar um caso ao tribunal e como a sociedade, por vezes às relega o papel de vilãs. No caso de Cíntia, ainda há o fato de ela, quem sabe, cruzar com nosso inofensivo colega. Tomara suas orações estejam em dia e que o senhor Jesus a proteja já que nossas leis nossos não vêm em figuras como Diego algo que represente perigo...

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Diego Ferreira de Novais, deve estar agora assistindo à um bom filme, comendo pipoca. Quem sabe usando seus processos como rascunho ou fazendo aviãozinho. Talvez fique um tempo na encolha só esperando a poeira baixar pra atacar novamente pois este sim, pode confiar cegamente na justiça brasileira...