[CRÍTICA] filme, Aniquilação


“Não está morto o que eternamente jaz inanimado, em estranhas realidades, até a morte pode morrer  
(O Chamado de Cthulhu – H.P. Lovecraft)

──────────────────

Antes de mais nada, vale ressaltar que este filme é passível de interpretaçãoes. Eu cheguei a algumas e decidi analisa-lo a luz daquilo que mais me chamou a atenção, Ok?

Alex Garland é um roteirista/diretor que no decorrer de seus filmes apresenta um olhar pessimista com relação ao futuro da humanidade. Extermínio e Sunshine – Alerta Solar, que ele “só” roteirizou, e Ex-Machina, que ele roteiriza e dirige, passam a ideia de alguém que não vê a humanidade como boa e que, no final das contas, apesenta uma espécie de instinto de destruição inato que sempre prevalecerá sobre nossos aspectos positivos. Em Aniquilação, seu mais novo longa, distribuído pela Netflix, ela volta a esta premissa mas de uma forma mais aguda, simbolicamente falando, numa produção que mete medo, te instiga a refletir sobre algumas coisas, é carregada com uma aura de estranheza e levanta algumas questões que talvez só saberemos às respostas em sua possível continuação.


Lena (Natalie Portman) uma bióloga e ex-militar se junta à uma expedição com outras quatro mulheres para desvendar os mistérios de uma região que foi acometida por um evento estranho – místico? Químico? Alienígena? os pesquisadores não sabem – todas as expedições anteriores fracassaram: ninguém voltou, exceto um, o marido de Lena, o sargento Kane (Oscar Isaac). Antes de descobrir do que se trata aquela anomalia no local, nomeada como Área X ou Brilho, pela luz que emite, Lena precisa descobrir uma forma de ajudar o marido que voltou da Área X diferente e corre grande risco de vida.

Bom, podemos começar a falar que Garland não se preocupa em ser muito didático. Há vários momentos onde uma explicação aparente não existe cabendo ao espectador desvendar por si o que aquilo significa. Há sim alguns momentos de diálogos expositivos mas nada que entregue demais, servem só pra mostrar um rumo a ser seguido e o final fica por conta de cada um (falaremos mais sobre depois...). Mas, olhando um pouco além da superfície, percebe-se que o autor deixou  muitas informações de forma indireta e elas tem muito à dizer...

A começar pela formação da equipe de mulheres que vão se aventurar na anomalia. Todas elas apresentam algum problema ou trauma que dialogam  diretamente com a ideia do diretor de autodestruição inata ao ser humano. A física Josie Radek (Tessa Thompson), que se automutila pra se sentir-se viva; a geóloga Cass Sheppard (Tuva Novotny) que enterrou a filha a pouco tempo e sente como se parte dela morrera também; a paramédica  Anya Thorensen (Gina Rodriguez) uma viciada em potencial; a líder da equipe, dr. Ventress (Jennifer Lason Leigh), psicóloga que logo de cara você percebe que há algo de muito estranho com ela e é explicado mais para frente o que é; e Lena que por escolhas do passado colocou seu casamento em risco...

Toda esta carga negativa autodestrutiva das personagens é bem representada logo no inicio do filme de forma simbólica quando Lena está dando uma aula sobre células cancerosas e explica o conceito de tumores, de como eles são uma espécie de autodestruição do próprio organismo. Há um diálogo entre Lena e a dr. Ventress em determinado momento que salienta isso quando a psicóloga diz:

"quase ninguém se suicida, mas todos se autodestroem. Nós bebemos, fumamos, traímos o marido..."  

E é sobre isso que o autor quer falar: nossa capacidade de autodestruição...

E o autor decide fazer isso de forma, digamos, diferente. Ele enfatiza os planos abertos – bem oposto ao eu vimos em Ex-Machina que prioriza as tomadas mais fechadas e intimistas -  colocando os personagens no centro da câmera com um espeço pouco preenchido em volta. Isso serve pra mostrar o local onde se encontra a anomalia dando uma ideia de natureza e ressurreição, de surgimento. A fotografia também vai por este caminho num tom meio esverdeado que remete logo ao natural. Mas este natural não é familiar, pelo contrário...

Dentro do Brilho, vemos formas de vida hibridas, impossíveis de ocorrer segundo a biologia atual – crocodilos com dentes de tubarão, veados com chifres floridos, flores cladisticamente distintas mas que provém da mesma planta..., e isso, além de ser visualmente belo em alguns momentos é aterrador em outros. Um deles principalmente. Há uma cena com as personagens em uma sala, com uma luz fraca, que surge uma dessas criaturas que te faz dar um pulo na cadeira de tão bizarro e medonho que era aquilo. Me lembrou imediatamente o conceito de Vale da Estranheza. Mas, apesar do tom instigante e do suspense permeando toda a obra, os momentos de susto pontuais não são constantes  - o que é bom pois quando surgem, são foda -  e talvez por conta disso, o autor decidiu por aplicar uma atmosfera meio gore em algumas cenas. Cito principalmente quando as expedicionárias encontram um vídeo da última expedição e o bicho se mexendo dentro do cara evoca um senso de bizarro e nojento.

O filme é contado em flashbacks já te contando que a exceção de Lena, todos morreram. E quando sabemos como e entendemos algumas coisas (pois não há resposta pra tudo) principalmente a nova natureza de Kane e Lena, aquela classificação de ficção científica fica meio em segundo plano. Me lembrou muito algumas histórias de Horror Cósmico de H. P. Lovecraft, principalmente os contos A Cor Que Caiu do Céu e O Chamado de Chullu. A trilha sonora com instrumentos que dão a impressão de algo fora desta realidade reforçam esta impressão do desconhecido, de uma força ou forma de vida que nem liga pra nós humanos e por isso, perigosa. Sem contar que a nova natureza dos personagens casa perfeitamente com a ideia de autodestruição que foi evocada no filme. É uma representação bem forte dos humanos que vivem a modificar tudo a sua volta, inclusive a forma de vida da própria espécie – é só lembrar dos cristãos catequizando os índios... – não se importando muito com o que está se perdendo neste processo, principalmente no que diz respeito a fauna e flora...  

A cena final do filme é bem surreal. Um excesso de cores numa sequencia bem psicodélica que me lembrou o final de 2001, Uma Odisséia no Espaço (pessoal, não estou comparando, ok?). E este final apesar de dar uma algumas respostas não explica tudo: o que era aquele Brilho? Porque veio aqui? Será que realmente acabou? O que são agora Lena e Kane? Eu cheguei a uma conclusão (não sobre tudo, vale ressaltar) bem subjetiva e a cena, lá no inicio com Lena e Kane dando as mãos com um copo de água na frente impossibilitando saber qual mão pertence a quem, que me pegou logo de cara ficou mais forte ainda depois da cena final deles dois se abraçando...

Apesar de deixar o final em aberto, afinal é baseado na trilogia do autor Jeff Vandermeer, Aniquilação fornece algumas respostas mas não todas. Pela natureza surreal do filme e seu ritmo as vezes lento, pode não agradar à todos. Ainda assim, é um filme que vai consolidado Alex Garland como um dos novos nomes da ficção cientifica, sempre com a mensagem de que os seres humanos são, em si, autodestrutivos. ...
──────────────────
Aniquilação (Annihilation, EUA, 2017)
Roteiro: Alex Garland 
Direção: Alex Garland

Elenco: Natalie Portman, Oscar Isaac, Jennifer Jason Leigh, Gina Rodriguez, Tessa Thompson, Tuva Novotny


Duração: 115 min.


EmoticonEmoticon